Terapia de Casal

Terapia de Casal: O que é ? Como funciona?

Camila Bianconi
Escrito por Camila Bianconi
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Esclareça suas dúvidas sobre terapia psicológica!

Você já deve ter reparado que a sociedade atual valoriza muito o amor romântico, presente nos relacionamentos como namoro, noivado e casamento. Esse tipo de amor ainda é um dos objetivos de vida de muitos homens e mulheres, independentemente de identificação de gênero ou identidade sexual. É muito natural que, quando nos apaixonamos, comecemos a namorar, a nos envolver emocionalmente, que queiramos apresentar família e amigos para o (a) parceiro (a) e vice-versa. Muitos casais ainda idealizam e sonham com uma vida compartilhada com o parceiro ou parceira, uma vida baseada no amor mútuo, na fidelidade monogâmica, na formação de um núcleo familiar em comum, na partilha dos bens patrimoniais, na divisão de tarefas e convivência cotidiana. Esse ideal é geralmente materializado por meio do casamento, seja ele formal (cartório e igreja) ou informal (casal passa a morar junto).

O início do casamento e as primeiras descobertas podem ser bastante satisfatórias e empolgantes. As diferenças de personalidade parecem ser fáceis de tolerar; alguns comportamentos do parceiro/ parceira até incomodam, mas por vezes são até engraçadinhos; fazemos malabarismos nas agendas para poder conviver mais tempo com o cônjuge; o diálogo é fluído e interessante; o sexo é acessível e gratificante, pois agora nosso amado dorme ao nosso lado. Quase tudo é novidade e empolgação.

Porém, com o passar do tempo, sentimos nossa tolerância decair. Os comportamentos do parceiro, antes apenas incômodos ou engraçados, se tornam difíceis de suportar; parece que a simples respiração do outro nos irrita, em certos momentos. Já não fazemos tanta questão de estar juntos, o sexo perde a empolgação. Vem a rotina, a monotonia, os problemas de ordem prática e lógica aparecem um após o outro, a maternidade e paternidade apresentam novos desafios, nos causando irritação e frustração. Mas o que será que acontece entre o sonho romântico e a realidade conjugal? Será que não é possível ter um pouquinho de cada um? Se for possível, como fazer isso? E finalmente, por que é tão difícil manter uma relação conjugal estável e minimamente satisfatória para ambos os parceiros, após um tempo de convivência?

AMOR E CASAMENTO: UMA RELAÇÃO MODERNA

Assim como cada pessoa tem uma história, cada casal também tem a sua, de forma que as respostas às perguntas acima deverão levar em conta essas variáveis. Porém, podemos apontar fatores sociais e culturais, que influenciam a todos nós e que também determinam, em parte, o sucesso ou insucesso de uma relação conjugal.

Historicamente, amor e casamento são uma parceria bem recente. Por muitos séculos, os casamentos eram acordos políticos e econômicos e a função dessa união era exclusivamente a procriação, como forma de selar tais acordos, e por serem acordos políticos, deveriam durar para sempre. Após as revoluções sociais e culturais, aproximadamente por volta do século XVIII, o ideal romântico passou a influenciar as escolhas conjugais. Este ideal se solidificou, dando origem ao casamento baseado no amor romântico, tendo como pilares o amor mútuo, a fidelidade, a satisfação afetiva, sexual e psicológica dos parceiros, deixando de ser mandatória a questão da procriação.

Essas mudanças trouxeram muitas vantagens aos indivíduos que constituem um casal, como a liberdade sexual do casal; a igualdade de divisão de tarefas domésticas e responsabilidades financeiras nos relacionamentos entre homens e mulheres. Ao mesmo tempo, criou um paradoxo: baseado em sentimentos, o casamento moderno encontra maiores dificuldades em ser duradouro, uma vez que os sentimentos que o baseiam não são tão duradouros assim. A paixão, a euforia, a novidade e a empolgação ficam mais raras com o tempo. O paradoxo está no fato de que desejamos ter um casamento para toda a vida (como eram os casamentos antigos), porém baseado em sentimentos que não podem durar a vida toda.

E O SONHO ACABOU…

Levando-se em consideração as informações trazidas até este momento no texto, não é de se espantar que a relação conjugal seja complexa e tão difícil de ser mantida de forma satisfatória, não é mesmo? Como citado anteriormente, o casamento moderno, baseado em amor, produz muitas expectativas nos pares, muito sonhos e idealizações e, por vezes, são essas idealizações que dificultam a relação. Se espero de meu parceiro ou parceira um comportamento idealizado por mim, idealização da qual às vezes meu parceiro não partilha ou até mesmo desconhece, as chances de eu me frustrar com meu parceiro são grandes, concorda?

Para alguns casais, as dificuldades conjugais estão presentes nas altas expectativas que tem em relação ao outro ou à própria relação. Essas expectativas constituem o que um psicólogo chamou em seu livro de “mitos conjugais”[1], que são ideias pré-estabelecidas de como deve ser uma relação conjugal e que muitas vezes não tem correspondência com a realidade. Esperar que o parceiro ou parceira realize todos nossos sonhos românticos, que um bom casamento está baseado na semelhança dos parceiros (as famosas almas gêmeas) ou que os parceiros devem fazer tudo juntos são exemplos de alguns desses mitos. Apesar do referido livro ser bem antigo (não só pelo ano de publicação, mas principalmente pelas mudanças sociais ocorridas nas últimas décadas), algumas de suas considerações ainda são bastante relevantes.

Um desses mitos importantes de ser esclarecidos é o de que casais que tem um bom relacionamento e se ama de verdade não brigam. Na verdade, quando um casal me diz que nunca briga, logo penso: ou eles estão mentindo, ou alguém não está sendo autêntico nessa relação. Afinal de contas, se sou autêntica, se sou eu mesma na minha relação, e se o outro é necessariamente diferente, certamente haverá conflito, desde discussões mais bobas, até brigas um pouco mais intensas e sérias.

Para além dessas expectativas ou mitos, os casais também podem enfrentar outros tipos de problemas como dificuldade de ter um diálogo efetivo e atencioso, adultério, perda da conexão afetiva e/ou sexual em função da rotina e discordância na criação dos filhos. É importante pontuar que muitas vezes o maior problema do casal é como eles resolvem seus problemas e não o problema em si. Quando esse é o caso, desenvolver estratégias de resolução de conflitos e de problemas pode ser uma boa saída para recuperar a satisfação e amor na vida a dois.

COMO FUNCINA A TERAPIA DE CASAL?

A terapia de casal tem se tornado cada vez mais popular, mas ainda pode gerar um pouco de medo nos casais que pensam em recorrer a um profissional num momento de crise. É comum ouvir dizer que casais que procuram terapia acabam por se separar, mas isso não é verdade. Embora um terapeuta possa ajudar um casal num processo de separação, na maior parte dos casos a busca é por ajuda para melhorar a qualidade da relação ou para resolução de problemas que, sozinho, o casal não tem conseguido resolver.

Neste tipo de terapia, o casal comparece junto às sessões e inicialmente apresenta ao terapeuta quais são suas principais queixas, o que os traz ali naquele momento. Ambos podem falar e apresentar seus motivos, podendo discordar um do outro. O terapeuta também investiga a história desse casal: como se conheceram, o que os fez se apaixonar num primeiro momento, quando se casaram, há quanto tempo estão juntos e desde quando os problemas relatados vêm acontecendo. É comum que o casal discorde e mesmo discuta na frente do terapeuta, e isso é normal. Enquanto terapeutas, estamos preparados para lidar com esses conflitos, e poder presenciar sua ocorrência, ao vivo e em cores, ajuda o terapeuta a entender melhor não só o problema, mas as estratégias que o casal utiliza para tentar solucioná-lo.

A função do terapeuta não é fazer o casal parar de brigar ou voltar a se amar como na época do namoro. O papel do terapeuta é, antes de qualquer outra coisa, criar uma condição favorável para que cada um possa expor seus sentimentos, pensamentos e expectativas sem medo da reação do cônjuge. Afinal, quantos de nós já não deixamos de falar ou demonstrar algum sentimento para nosso cônjuge com medo de sua reação? Ainda que na terapia o cônjuge esteja presente, também está ali uma terceira pessoa, disposta a ouvir sem julgamentos, sem se ofender com o que está sendo dito nem dar broncas em quem fala, o que favorece essa exposição pessoal. O cônjuge que ouve tem assim a oportunidade de ter acesso a sentimentos e pensamentos até então não revelados pelo parceiro (a). Conforme o casal vai comparecendo às sessões, o terapeuta vai “mapeando” os principais problemas do casal e de quais estratégias eles dispõem para resolvê-los.

Aqui é importante comentar que a terapia de casal tem mudado bastante nos últimos anos. Quando as primeiras terapias de casal surgiram por volta das décadas de 1950 e 1960, o foco era para que o casal adquirisse novas habilidades de diálogo e de negociação entre os pares: cada um cedia um pouquinho e fazia um pouco da vontade do outro, o que efetivamente, por um tempo, diminuía os conflitos e gerava bem-estar conjugal.

Porém, a partir de meados da década de 1990, pesquisadores perceberam que além da aprendizagem de novas habilidades de ordem mais prática, como o diálogo, era preciso trabalhar nos pares a aceitação de que o parceiro ou parceira poderia apresentar, em algum momento, comportamentos mais abrasivos, ou seja, comportamentos inadequados, indesejáveis, e que produzem sentimentos desagradáveis no outro. Esses comportamentos indesejáveis podem trazer alguns conflitos conjugais, porém mais importante do que uma resolução prática dos conflitos, percebeu-se a necessidade de trabalhar na terapia a flexibilidade psicológica dos casais. A flexibilidade psicológica diz respeito à capacidade de aceitação de alguns aspectos do parceiro, dos sentimentos provocados por ele, não como uma forma de resignação, mas como um caminho para a mudança genuína das condições que geram o problema, e não uma mudança pontual e momentânea do parceiro[2].

Essa nova prática terapêutica é baseada numa visão a que chamamos de dialética:  uma vez que a vida apresenta tanto aspectos que consideramos positivos quanto os considerados negativos, nosso parceiro, nosso casamento e até nós mesmos também apresentamos ambos os aspectos. Ao aceitar essa realidade, paramos de lutar contra ela e começamos a observá-la de forma mais clara e objetiva, a fim de descobrir quais são os fatores que determinam o problema conjugal. O foco da terapia deixa de ser o “apontamento de defeitos” e a mudança do parceiro, e passa a ser a relação conjugal em si mesma e o que determina que ela seja como é naquele momento. É assim que o terapeuta e o casal conseguem identificar o que precisa ser modificado e o que precisa ser aceito por cada parceiro, em si mesmo, no outro e na relação.

Se você tem identificado problemas em seu casamento, como dialogar com seu parceiro/ parceira, ou entender quais são os fatores que estão causando tais problemas, procure um terapeuta de casais com o qual ambos os parceiros se identifiquem. Essa pode ser uma excelente oportunidade de vocês se reinventarem e descobrirem novas formas de se relacionar e serem felizes juntos: não felizes para sempre, mas sempre que possível.

Referências:

SABAN, Michaele Terena. (2011) Introdução à Terapia de Aceitação e Compromisso. Santo André: ESETec Editores Associados.

LAZARUS. Arnold A. (1992). Mitos Conjugais. Campinas: Editorial Psy. CHRISTENSEN, Andrew; DOSS, Brian D.; JACOBSON, Neil S. (2018). Diferenças Reconciliáveis. Novo Hamburgo: Sinopsys.


[1] LAZARUS. Arnold A. (1992). Mitos Conjugais. Campinas: Editorial Psy.

[2] Claro que há limites para essa aceitação. Comportamentos como abusos verbais, físicos, sexuais, patrimoniais e de substâncias psicoativas, entre outros, que trazem sérios prejuízos a cônjuges e familiares, não devem ser aceitos, alguns são inclusive considerados crimes e, nesses casos, o foco terapêutico é outro que não a aceitação, obviamente.

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