Autoestima

A autoestima é mesmo tão importante?

Camila Bianconi
Escrito por Camila Bianconi
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O que é autoestima? Ela é realmente necessária na nossa relação com nós mesmos? Como fazer para ter autoestima? Esses questionamentos a respeito do termo autoestima têm se intensificado nas últimas décadas, uma vez que o termo tem sido considerado sinônimo de felicidade e estabilidade emocional. Às vezes leio artigos na internet afirmando que “se não me amar/me estimar em primeiro lugar, não serei capaz de amar/estimar o outro”; ou assisto a entrevistas na televisão, com pessoas afirmando que, sem autoestima, não conseguimos caminhar em direção aos nossos objetivos e ter motivação. Tem-se a impressão de que, sem autoestima, uma pessoa não é capaz de progredir na vida ou ter relações significativas, e que a autoestima é um patrimônio emocional que deve ser conquistado e mantido tempo todo.

Entretanto, os estudos e pesquisas mais atuais em psicoterapia tem verificado a impossibilidade de manter-se uma autoestima tão elevada o tempo todo, bem como identificado o quanto pode ser trabalhoso manter-se constantemente nesse estado. Então, o que seria a autoestima em termos psicológicos e qual seria sua importância real para nosso desenvolvimento emocional?

Definindo Autoestima

A autoestima diz respeito a estima que tenho por mim mesmo, por aquilo que sou, pelas coisas que faço, é sentir-me bem na minha presença e gostar de ser eu mesmo. Ela ocorre quando consigo me apreciar, admirar e quando me sinto confortável na minha própria pele. É claro que sentir tudo isso é muito bom, não é mesmo? Acho que todos nós, pelo menos uma vez na vida, nem que por pouco tempo (minutos, que seja), já sentimos essa sensação tão agradável.

Quando temos a possibilidade de nos sentir assim, obviamente nos sentimos mais confiantes, mais corajosos e motivados para realizar tanto as pequenas ações cotidianas quanto nossos maiores sonhos e objetivos. Podemos concluir, portanto, que sim, a autoestima tem um papel importante no nosso desenvolvimento emocional. Porém, sendo uma sensação, um sentimento, essa estima por nós mesmos tende a não durar, como qualquer outro tipo de sentimento. Nós a sentimos algumas vezes e outras vezes, não.

Para ajudar no entendimento das ideias deste texto, proponho fazer com você uma reflexão que sempre faço com meus clientes: pense na pessoa que você mais ama, ou mesmo alguém de quem você goste muito e com quem tenha um convívio diário ou intenso; pense nos comportamentos dessa pessoa e no jeito de ser dela; é possível que haja comportamentos dela dos quais você não goste, não é mesmo?

Isso não diminui o carinho, amor ou admiração que você tem por ela, é como se coexistissem dois sentimentos ao mesmo tempo: você gosta dela na maior parte do tempo, mas tem parte delas de que você não gosta, que podem até te magoar ou chatear, certo? É fato que, quanto mais convivemos com uma pessoa, mais desafiador é gostar dela e admirá-la, porque temos acesso a partes da personalidade e do comportamento dela que não são tão agradáveis nem admiráveis.

Pois bem, agora imagine sua convivência com você mesmo: você é a pessoa com a qual você mais convive, parece uma afirmação boba e óbvia, mas nem sempre paramos para pensar nisso. Nós somos a pessoa com a qual mais convivemos e, por isso mesmo, temos acesso a todos os nossos comportamentos, pensamentos, sentimentos, sensações, sucessos e fracassos.

É claro que fica muito mais difícil admirar e estimar/gostar de alguém com quem convivemos tanto, porque temos acesso a tudo, conhecemos cada recanto secreto de nossos medos, falhas, invejas e egoísmos. Some-se a isso o fato de termos uma cultura de negar sentimentos e sensações consideradas feias, sujas e desagradáveis, como as citadas acima, o que pode fazer com que acabemos por negar uma boa parte de nós. Aprendemos a ter vergonha, raiva e medo dessa parte, fugimos dela a todo custo e nos negamos a mostrá-la a quem quer que seja, com medo da rejeição e da reprovação.

Por tudo isso, perceba como se torna pesada a convivência conosco e como é difícil nos estimar e gostar de nós mesmos o tempo todo. Há momentos em que gostamos de nós e há momentos em que não gostamos, e não gostar de nós mesmos às vezes, não faz mal à nossa autoestima nem ao nosso desenvolvimento emocional, pelo contrário, pode nos tornar mais tolerantes e flexíveis conosco. Perceber esse lado desagradável e até vergonhoso de nós mesmos é importante para aprender a lidar com esse aspecto de nossa personalidade, para descobrir novas maneiras de fazer as coisas de forma mais confortável e agradável para nós.

Quando “mandamos bem”, temos grandes conquistas e realizações, é natural gostar de nós mesmos e nos admirar naquele momento, mas a vida, sabemos bem, não é feita só desses momentos mágicos. Existem também momentos em que sentimos vergonha por ter falado algo errado em público; temos ciúmes de amigos ou parceiros; ou um sentimento de fracasso e inveja ao ter a impressão de que todos os seus colegas de trabalho são bem-sucedidos, menos você… E aí? Você consegue gostar de você e admirar você nesses momentos? Eu confesso que não! Aliás, os exemplos das linhas acima são exemplos pessoais meus, de coisas que já senti algumas vezes e garanto que não gostei de mim nem um pouquinho nestes momentos.

Você pode estar se perguntando: “tá, se não podemos gostar de nós mesmos o tempo todo, o que fazer quando não gostamos, ou até mesmo nos odiamos?” E eu te diria, em primeiro lugar, que essa é uma ótima pergunta, é a pergunta de um milhão de dólares, como dizem. A autoestima elevada não é o único valor pessoal para se construir na relação consigo mesmo, mas deveria ser acompanhada também da autocompaixão e autoaceitação dos aspectos desagradáveis em nós mesmos, e são esses dois sentimentos que nos ajudam no momentos em que não conseguimos sentir autoestima.

Para além da Autoestima: autoaceitação e autocompaixão

Termos como autoaceitação e autocompaixão, infelizmente, são associados muitas vezes a permissividade, a uma atitude de conformismo com situações desagradáveis ou moral e eticamente reprováveis, mas não é isso que significam quando pensamos em processos terapêuticos. Esses termos têm sido “emprestados” da filosofia oriental budista e aplicados na prática clínica em psicoterapia, tendo como base para sua aplicação pesquisas científicas que comprovem sua validade. A aceitação de partes desagradáveis de nós mesmos não nos torna coniventes [1]com nossos erros. Essa aceitação é muito mais um aceitar que isso está acontecendo e descobrir a melhor forma de lidar com isso, do que se conformar que as coisas são assim mesmo e não há nada que eu possa fazer.

Vou usar outro exemplo para deixar mais claro o raciocínio: suponha que você tenha muito medo e vergonha de se relacionar com as pessoas em interações sociais como reuniões familiares e de amigos; pode ser que você se sinta ansioso (a), com medo de “falar besteira” ou de ser rejeitado (a). Aceitar essa parte de você é entrar em contato com ela, olhar para os sentimentos e pensamentos que ocorrem naquele momento, perceber o que provocam em você, porém sem julgamentos ou reprovações.

Ao aceitar que esses pensamentos e sentimentos podem acontecer com você, você desiste de lutar contra eles. Você aceita que isso tudo pode ocorrer com você durante uma interação social e tem compaixão por você, não se julga, mas compreende e se trata com carinho. Essa mudança de atitude, aceitar em vez de lutar contra, permite que você olhe para a situação da interação social com mais clareza e avalie a melhor forma de lidar com ela e com os pensamentos e sentimentos que evoca.

Veja que no exemplo não mencionei em nenhum momento que você deve se estimar ou ter orgulho de você mesmo, porque é difícil gostar da gente nessas horas, não é mesmo? Mas se quando você não se estimar, puder ao menos se aceitar e se compreender, você começa um processo de fazer as pazes consigo mesmo. Às vezes, o relacionamento mais tóxico que temos é com a gente mesmo: nos agredimos verbalmente, nos acostumamos a nos tratar mal e a nos desmerecer, por não sermos como gostaríamos de ser, ou não ter alcançado o resultado esperado.

Mas, se no lugar dessa relação tóxica construirmos uma relação de compaixão e aceitação, a convivência com nossos aspectos desagradáveis fica mais leve. Começamos a compreender que esses aspectos fazem parte de nós e que negá-los é negar nossa história de vida, nossa totalidade e dignidade como ser humano. Aceitar a si mesmo e compreender seus limites não é uma forma de se acomodar, mas o primeiro passo para identificar com clareza o que pode ser modificado e como fazer isso.

(Re)construindo a Autoestima

Tente praticar isso na próxima vez que se perceber agredindo ou reprovando a si mesmo (a). Olhe para a situação que está ocorrendo, preste atenção nos sentimentos e pensamentos que ela provoca em você, identifique suas reações diante disso tudo, mas sem julgamentos, sem se dar broncas. Olhe como se fosse um observador “de fora”, como se estivesse observando outra pessoa e tente compreender as razões e motivos dessa pessoa (você, no caso) estar agindo dessa forma ou sentindo daquela outra forma. Coloque você mesmo (a) no seu colo e acolha este momento. Pode ter certeza: fazer isso não vai aumentar as chances de você se tornar acomodado (a) ou “sensível demais”. Pelo contrário, vai te ajudar a se sentir mais seguro e confiante em sua própria pele, além de mais corajoso a seguir adiante na sua jornada de autoconhecimento.

É importante esclarecer aqui duas situações específicas com relação a aceitação e a autoestima. Primeiramente, precisamos distinguir aceitação de conivência com situações antiéticas ou prejudiciais aos outros. Não posso simplesmente aceitar que eu agrido verbalmente as pessoas sempre que fico nervosa porque “eu sou assim mesmo”, por exemplo. O que devo aceitar, neste caso, é que há situações em que fico nervosa, brava, com raiva e preciso entrar em contato com esses sentimentos para entender por que determinada pessoa ou situação me deixa dessa forma. Preciso também aprender formas mais saudáveis de lidar com esses sentimentos em vez de “despejá-los” em cima de outras pessoas. Aceitação não pode ser usada como justificativa para manter condutas prejudiciais a si mesmo e aos outros, ok?

Outra situação importante de ser considerada são os casos em que a baixa autoestima é generalizada na relação que uma pessoa tem consigo mesma. Não é apenas de vez em quando ou em alguns momentos que ela se desaprova ou não consegue gostar de si mesma e a prática proposta acima não seria suficiente para mudar sua visão de si mesma. Há pessoas que afirmam que se odeiam o tempo todo, ou quase todo, e é claro que, nesses casos, o sofrimento é muito maior e se faz necessário uma intervenção com um profissional especializado, como um psicólogo.

A psicoterapia pode auxiliar pessoas que tenham esse tipo de relação consigo mesmas, e o processo deve contemplar o desenvolvimento de habilidades como: observação mais objetiva e detalhada das situações vividas pelo cliente, relatos mais precisos do que sente e pensa a respeito de si mesmo, investigação da história de vida do cliente e de determinantes que influenciem essa percepção de si mesmo, além do aprendizado de respostas alternativas diante desses pensamentos e sentimentos de autoinvalidação e desmerecimento.

Podemos, então, concluir que a autoestima é, sim, importante e uma das bases para a construção de uma relação mais saudável conosco, porém ela não é a única. Sentimentos de autoaceitação e autocompaixão também se fazem importantes para lidarmos com aspectos desagradáveis de nós mesmos.

Se, por algum motivo, em sua história de vida, você não aprendeu a gostar de si mesmo, saiba que não precisa ser sempre assim. Gostar de si mesmo é algo que aprendemos na medida em que somos gostados e admirados pelos outros. Assim como ninguém é obrigado a apresentar uma habilidade que não possui, você não é obrigado (a) a “se virar nos trinta” para aprender sozinho a se estimar. É muito fácil reproduzir o discurso que “precisamos aprender a nos amar”, mas é preciso também reproduzir o discurso de que “ninguém aprende a se amar sozinho”. Se você não teve oportunidade durante sua vida de aprender a se estimar por aquilo que você é, procure a ajuda de um psicoterapeuta que possa lhe auxiliar nessa jornada, garanto que você não irá se arrepender!

Referências:

SABAN, Michaele Terena. (2011) Introdução à Terapia de Aceitação e Compromisso. Santo André: ESETec Editores Associados.

LUCENA-SANTOS, Paola; PINTO-GOUVEIA, José; OLIVEIRA, Margareth da Silva (Orgs). (2015). Terapias Comportamentais de Terceira geração: uma guia para profissionais. Novo Hamburgo: Sinopsy


[1] Ser conivente, nesse caso, significa perceber que nossas ações provocaram consequências prejudiciais a nós mesmos e aos outros e. ainda assim, persistir nas mesmas ações, evitando uma análise crítica delas.

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