Psicoterapia

Pandemia, isolamento e saúde emocional

Camila Bianconi
Escrito por Camila Bianconi
3 min de leitura
Junte-se a mais de 320 pessoas

Esclareça suas dúvidas sobre terapia psicológica!

Se você chegou a esse texto, provavelmente é porque tem se preocupado com as consequências emocionais que a pandemia tem produzido sobre você e sobre as pessoas de seu convívio. Confesso que escrever esse texto acaba por ser um refúgio também para mim, pois como todas as pessoas do mundo, neste momento, de alguma forma, a pandemia e o isolamento social também afetam minha saúde emocional.

Acho que nunca senti minha profissão tão procurada e valorizada, pois a procura por psicoterapeutas tem aumentado muito, e as pessoas têm percebido a importância do processo psicoterapêutico. Cada vez mais se comenta sobre a necessidade de cuidados com a saúde emocional ou mental, seja como forma de cuidado com problemas graves já instalados (depressão, síndrome do pânico, transtorno de ansiedade), seja como forma de prevenção de futuros problemas. Com relação à prevenção, percebo que as pessoas têm se tornado mais sensíveis a pequenos eventos cotidianos com potencial de desencadear grandes crises. Estou aqui falando de sintomas leves, que não nos incapacitam a trabalhar ou produzir cotidianamente, mas que parecem tirar a alegria, leveza e encanto de situações que costumavam nos trazer satisfação.

Sobre esses sintomas mais leves, recentemente um artigo saído no The New York Times (jornal norte-americano) causou grande repercussão ao apresentar a muitos de nós um conceito que resume bem o que temos sentido: o definhamento emocional. Adam Grant, psicólogo norte-americano que escreveu o artigo, explicou esse conceito criado pelo sociólogo Corey Keys: o definhamento está no meio do caminho entre uma sensação de bem-estar e uma condição depressiva mais intensa. É uma sensação de “mais ou menos bem”, mas constante e sem perspectivas de melhoras, sensação que diminui nossa motivação, nossa esperança, nossa vontade de fazer coisas que antes eram prazerosas. Não estamos totalmente abatidos, nem totalmente bem-dispostos: estamos definhando.

Pode parecer apenas uma questão de linguagem, mas não é. Definir mais precisamente os sintomas emocionais que estamos sentindo, para algumas pessoas, pode ter como efeito a diminuição do impacto que esses sintomas têm sobre ela, porque deixam de ser desconhecidos, passam a ter nome, características e podem proporcionar também uma sensação de validação. Essa sensação de validação é como se alguém nos dissesse que é normal e aceitável sentir o que estamos sentindo, sem julgamentos e sem tentar resolver nosso problema. Assim, saber que o definhamento é um estado emocional esperado diante do isolamento social e que ele acomete não apenas a mim, mas a várias pessoas no mundo, coloca essa sensação em perspectiva, conseguimos falar melhor sobre ela, nos identificamos com ela e sentimos que não estamos sozinhos nessa.

Vou compartilhar com você como percebi o definhamento em minha saúde emocional. Sou uma pessoa que gosta de gente, esse inclusive é um dos motivos pelos quais me tornei psicóloga. Gosto de encontrar pessoas, sejam amigos, familiares, colegas de trabalho ou estudo e conversar, abraçar, fazer piadas e conviver com eles. No começo da pandemia eu sentia muita falta desses encontros presenciais com as pessoas, detestava reuniões de trabalho ou de família por chamadas de vídeo, a solidão me machucava muito. Com o passar do tempo, parece que eu me acostumei a sentir essa falta. É difícil definir precisamente esse sentimento, mas parece que a saudade “sumiu”. No começo, tinha medo de me tornar uma pessoa fria e distante, principalmente porque trabalho com pessoas e meu “calor emocional” é uma das minhas ferramentas de trabalho. Hoje, entendo que esse “resfriamento” foi uma forma que eu encontrei de sobreviver a esse momento tão difícil, porque, se sinto menos saudade, sofro menos, e posso gastar o restante da minha energia emocional para a resolução de outros problemas cotidianos, relativos ou não à pandemia.

Acredito que a grande questão que se colocou em minha cabeça e deve estar na sua também é: e como sair desse definhamento? Aliás, tem saída? Talvez a saída seja por dentro. Com isso quero dizer que, para resolver a sensação de definhamento, não dá para usar a mesma lógica usada para resolver outros problemas mais “externos”, observáveis e de ordem mais prática, como trocar uma lâmpada queimada. Ao dizer que a saída é “por dentro”, estou querendo dizer que talvez o que possamos fazer neste momento, é aprender a conviver com esse sentimento, tendo consciência dele, entendendo como ele se instalou em nossa vida e pensando também, claro, em pequenas estratégias diárias para lidar com o definhamento.

Essas estratégias não são, nem podem ser, uma solução definitiva e totalmente eficaz para banir esse sentimento, porque a principal causa, que é a pandemia (e o consequente isolamento social), ainda está presente e temos pouco controle sobre ela. Vivemos um contínuo círculo de flexibiliza restrições sociais – aumenta contágio – restringe contato social – diminui contágio – flexibiliza restrições sociais novamente – aumenta contágio novamente – restringe contato social novamente… e por aí vai, sem sabermos quando vai terminar. Isso é realmente muito desgastante do ponto de vista emocional. As estratégias possíveis neste momento são muito pontuais e não podem exigir muito de nós, pois já estamos ao menos parcialmente esgotados. São estratégias de sobrevivência emocional a uma situação que não podemos mudar e com a qual temos que conviver.

Uma estratégia (que parece muitos mais um desafio), é aprender a entrar em contato com situações adversas que não podemos resolver, ou das quais não podemos fugir, e aprender a lidar com os sentimentos produzidos por essas situações, como é o caso da pandemia. Talvez uma parte da nossa dificuldade em lidar com os efeitos emocionais do isolamento não seja relativa só a este momento. É possível que muitos de nós estejamos, há muito tempo, fugindo de qualquer desconforto, mesmo os menores, comportamento que é incentivado pela cultura atual, que prega a diversão pela diversão, o movimento, o barulho em altas frequências e intensidades, o sucesso e a fama como uma forma compensação pelos nossos sofrimentos. Eu não tenho nada contra o prazer e a diversão, nem contra se movimentar e ser bem-sucedido, contanto que essas coisas sejam consequências de escolhas conscientes que fazemos, de acordo com nossos valores. Mas vejo que pode haver um problema quando usamos essa diversão, prazer e movimento para evitar o inevitável, para fugir de um sofrimento nessa esquina e encontrá-lo de novo na próxima. E aí? Sigo de fuga em fuga? E quando eu não puder fugir, como agora, na pandemia, que recursos eu tenho para lidar com o inevitável?

Pode ficar tranquilo que eu não vou escrever aqui que o “lado bom da pandemia” é nos ensinar a entrar em contato com situações inescapáveis. Não existe lado bom quando milhões de pessoas morrem, passam fome, ficam doentes. De forma alguma! Mas penso que, já que essa situação se instalou sobre nós e, que apesar dos nossos esforços pessoais, existem fatores que não podemos controlar para que a pandemia acabe, pode ser uma oportunidade para aprendermos alguns comportamentos novos, entre eles: entrar em contato com realidades desconfortáveis, observar o que isso provoca em nós, criar espaço em nossas vidas para sentimentos que consideramos desagradáveis, conhecê-los de perto e perceber que eles vem, ficam um tempo em nós e depois vão embora. Geralmente, lutamos contra esses sentimentos ou fugimos deles, e parece que isso faz com que durem mais tempo dentro de nós, não é mesmo?

“Poxa, mas é só isso que dá pra fazer neste momento?”, você pode estar se perguntando. Afinal, não parece uma estratégia muito empolgante, né? Há outras coisas, sim, que podemos fazer e de certa forma, elas têm relação com a que descrevi antes: precisamos nos adaptar ao momento presente. Essa estratégia, que talvez muitos já tenham adotado, é rever seus planos e projetos a longo prazo, pois ainda não sabemos quando as restrições sociais irão acabar. Isso não quer dizer abandonar seus planos, mas talvez você tenha que renunciar a eles, por enquanto, e sei que isso pode ser bastante doloroso. Talvez seja mais que um projeto, pode ser o sonho de toda uma vida, não é mesmo? E isso nunca é fácil, eu entendo. Não é nada agradável mudar nossos sonhos, mas penso que pode ser muito mais frustrante tentar lutar contra a realidade de que ele não acontecerá agora. Aprendemos a sempre pensar no futuro, a poupar dinheiro para comprar um imóvel, a estudar muito para passar no vestibular, a se dedicar no trabalho para conseguir aquela promoção de cargo… Pensar apenas no agora e aprender a viver um dia de cada vez nunca foi uma prática tão necessária.

Há mais duas estratégias que gostaria de mencionar, proposta pelo psicólogo Adam Grant, aquele do artigo americano que comentei. A primeira delas seria o flow (fluxo, em inglês), que tem a ver com estar imerso em alguma atividade prazerosa, de uma forma que você consiga se desconectar, por uma pequena porção de tempo, da realidade pandêmica. Veja que não é usar o prazer para uma fuga, mas sim escolher uma atividade significativa para você, por um curto período, que te faça ficar mais tranquilo e descansado para retornar para essa realidade novamente. Pode ser ver um filme, séries, praticar atividades físicas, Yoga, meditação, leitura, conversa agradável com alguém, qualquer atividade na qual você consiga se concentrar e relaxar.

A outra estratégia proposta por ele seria focar em pequenos objetivos. Escolher atividades que desafiem você de forma moderada, para que você consiga vencer o desafio e sentir-se vitorioso: um jogo de caça-palavras, um quebra-cabeça, aprender a montar algum tipo de objeto. Mas essas atividades não devem servir apenas para preencher o tempo ocioso que ganhamos com o isolamento social. São atividades que produzam um certo senso de desafio e propósito e sensação de vitória após realizadas. E aqui novamente podem ser as mesmas atividades citadas, mas apenas como exemplos, pois cada um de nós sabe o que nos estimula e nos faz sentir que conquistamos um objetivo.

É inegável que a pandemia e o isolamento social produziram uma ocasião para repensarmos o lugar da saúde mental e cuidado emocional em nossa cultura. Muitas pessoas estão buscando psicoterapia pela primeira vez em suas vidas. Pessoas que até então se sentiam muito calmas e tranquilas, sentiram mais do que um definhamento, ficaram mais ansiosas, irritadas e outras entraram em processos depressivos. Falar mais sobre sentimentos pessoais e descobrir que esses sentimentos podem ser coletivos também nos faz sentir validados, justificados em nossos sentimentos, pois entendemos que sentir o que sentimos agora não é uma frescura ou fraqueza, mas é uma consequência do momento presente.

Espero que este texto seja como um abraço para você que se sente definhando, triste ou mesmo deprimido. Saiba que você não está sozinho! Ninguém está pleno de bem-estar agora (inclusive este terapeuta que vos escreve!), e isto é normal. Mas se você sente que os seus sentimentos são muito difíceis de carregar, e a sensação é de que a qualquer momento você atingirá seu limite e vai estourar, não espere por esse momento para pedir ajuda. Procure um psicólogo de sua confiança e busque se conhecer, conhecer seus limites e aprender estratégias pessoais para lidar com suas dificuldades, aquelas estratégias tão particulares que nenhum texto no mundo será capaz de te ensinar. Desejo de todo meu coração que, na medida do possível, você fique bem. Procure ajuda, procure um psicólogo.

REFERÊNCIAS:

GRANT, Adam. (22/04/2021). There’s a Name for the Blah You’re Feeling: It’s Called Languishing. In.: The New York Times.

SABAN, Michaele Terena. (2011) Introdução à Terapia de Aceitação e Compromisso. Santo André: ESETec Editores Associados.

TAGS:

Hey,

o que você achou deste conteúdo? Conte nos comentários.

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *